A Alquimia e a Ciência Moderna

Sem querer, Balzac, por meio da ficção, cutucou um nervo ainda hoje sensível para a história da ciência: o saber alquímico e a tradição hermética não foram eliminados tão facilmente pela revolução científica, mas conviveram por longos séculos, de formas diversas e em diferentes níveis. A mais recente prova documental desses paralelos e permanências entre momentos tão diversos como aqueles em que se gerou a hermética medieval e o que deu nascimento à ciência moderna acaba de ser descoberta, em Londres, nos arquivos da Royal Society, por Ana Maria Alfonso-Goldfarb e Márcia Ferraz, ambas do Centro Simão Mathias de Estudos em História da Ciência (Cesima), da PUC-SP. Trata-se de série de documentos do século XVII, dados como perdidos, em que membros da venerável instituição britânica, uma pioneira na promoção do saber científico moderno, discutem o lendário alkahest (e a sua “receita”), o hipotético “solvente universal” alquímico que poderia dissolver qualquer substância, reduzindo-a em seus componentes primários.

Tentativas modernas de colocar em prática receitas alquímicas são, em geral, fracassadas, porque há uma série de fatores a serem levados em consideração. Quando uma receita pede, por exemplo, ‘excremento de morcego das cavernas da Mesopotâmia’, o que pode substituí-lo?” Segundo as historiadoras, a importância real da existência desses papéis é repensar, ainda mais e de forma documental, a crença de que a alquimia, baseada numa cadeia de mistérios, não resistiu à passagem para um universo racional, mecanicista, onde o mistério é inadmissível, tendo desaparecido por completo entre os séculos XVI e XVIII, dando lugar à química moderna, e se transformado em mera “figura poética”.

“As idéias ditas alquímicas, sob outro nome, continuaram a intrigar grandes figuras que conhecemos como representantes da ciência moderna. Mesmo quando eles se diziam contrários a esses processos antigos, entre seus pares, ainda os aplicavam em seus trabalhos”, pondera a pesquisadora. “O bonito na história da ciência é justamente não haver uma razão única, mas várias ‘razões’ ao longo do tempo, muitas vezes convivendo juntas. A convivência entre a alquimia e a química perdurou até meados do século XIX, como uma segunda agenda, ‘secreta’, de figuras importantes como Newton, Boyle, Pascal, Boerhaave, entre outros.”

A idéia do alkahest, ou de que seria possível conseguir um solvente universal que dissolvesse materiais e não fosse “marcado” por essas substâncias, tomou corpo a partir de uma citação vaga feita por Paracelso (1493-1541), em De viribus membrorum, onde, no capítulo sobre como curar as doenças do fígado, ele se refere ao solvente universal que preservaria o fígado e até mesmo poderia assumir suas funções se este estivesse comprometido. Durante os séculos XVII e XVIII a busca do alkahest se transformou numa febre entre os seguidores do médico suíço. Seu poder curativo interessou vivamente o médico belga Joan van Helmont (1579-1644), que, a partir da citação de Paracelso, tentou conseguir a fórmula do solvente. Para ele, o alkahest seria melhor do que o fogo, já que, ao contrário deste, que, no final da combustão, sempre reteria matéria nas cinzas, o alkahest separaria substâncias sem ser afetado por elas. O interesse do belga era medicinal: um tal solvente capaz de reter o prima entia dos corpos teria grandes poderes curativos, pois era um modo seguro e não destrutivo de obter as virtudes médicas dos “simples”. Para Van Helmont seria o remédio contra todas as doenças, mas apenas poderia ser conseguido como “um presente de Deus para alguém que merecesse essa graça”. Buscas incessantes e infrutíferas fizeram com que caísse no esquecimento e mesmo virasse motivo de piada entre químicos, que o viam como quimera alquímica. Apesar disso, nomes da ciência como Starkey, Glauber e mesmo Robert Boyle (The sceptical chymist) se interessaram pelo conceito solvente universal do belga e consideraram que ele poderia ser obtido.

A agenda secreta da química
Carlos Haag
Leia o artigo completo em: http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3704&bd=1&pg=1&lg=

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